A mobilidade internacional e a juventude

A mobilidade internacional e a juventude

A mobilidade internacional e a juventude

Fonte: AULP, 2014-02-04

Viajar e procurar novos horizontes é a definição de um estilo de vida e de uma necessidade do ser humano. Há cada vez mais informação a percorrer o globo numa questão de minutos, assim como uma disseminação de vivências que deixam de ser meramente locais para terem impactos globais.

Com base nesse pressuposto, não é surpreendente que se evidencie a importância da mobilidade para a construção e desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens. Ainda que estes foquem os processos de mobilidade essencialmente para a empregabilidade e para a formação académica (onde se destaca o Programa Erasmus/ Erasmus Mundus), existe uma panóplia de experiências de aprendizagem internacional ainda pouco conhecida que permite reforçar paralelemente à educação formal a sua capacitação pessoal (onde se destaca a capacidade de arriscar, os processos de autoconhecimento ou a aprendizagem de uma nova língua e cultura).

Projetos mais estruturados como os intercâmbios e os cursos internacionais, os programas de voluntariado internacional (onde podemos destacar o Serviço Voluntário Europeu) e os workcamps são apenas alguns exemplos de processos de mobilidade que não incluem somente o conceito de viajar, e que proporcionam experiências únicas aos jovens. Nessa lógica é possível descobrir ofertas ainda mais variadas, destacando-se a título de exemplo as experiências de Gap Year solidários e os projetos de Woofing. Por outro lado, até a forma de viajar pode ser diferente e provocar um maior contacto com as comunidades locais, o que em parte explica o crescente sucesso das iniciativas de Couchsurfing.

Todas estas experiências são promotoras de mudança e transformação pessoal, reforçando o desenvolvimento de capacidades sociais e culturais que apenas o contacto com outras culturas e línguas pode criar, numa lógica de valorização das sociedades multiculturais. Destes processos saem então jovens capacitados enquanto indivíduos independentes e melhor adaptados a diferentes contextos. É ainda de realçar que qualquer um destes cenários estimula a aprendizagem pelo contacto com novas pessoas e culturas, valorizando a perpetuação de uma cidadania ativa e responsável.

Naturalmente, nem sempre os processos de adaptação são fáceis, especialmente quando a nova realidade onde os jovens se inserem é muito diferente daquela que conhecem, e as diferenças culturais podem ser promotoras de barreiras difíceis de transpor. A adaptação sai facilitada quando se criam laços com a comunidade local e desenvolvem amizades, já que é estabelecida uma ponte para o “mundo exterior”. Essa é também uma ótima defesa que ajuda a diminuir as saudades de casa e do ambiente de conforto habitual, o que permite criar espaço para absorver as vantagens da experiência de forma mais imediata.

Ao nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a existência de programas e projetos oficiais de mobilidade juvenil entre países-membro e a restante Europa pode estimular o aparecimento de novos fluxos mais individualizados, tornando os países mais atrativos aos olhos de um jovem à procura de oportunidades. São reforçados laços de amizade entre os países envolvidos e promove-se uma partilha cultural que tendo uma base por vezes comum, é única e merece ser valorizada (até porque é geradora de interações que podem ser atrativas para jovens que procurem uma realidade diferente, mas que não seja necessariamente oposta à sua). A língua, comum a todos, sai também enriquecida pela exploração dos dialectos locais em si originados, o que permite compreender em parte a herança história que interliga estas nações.

Por esse motivo, e ainda que a procura por projetos a ocorrerem na CPLP possa não ter uma dimensão tão grande quanto a desejada quando comparada por exemplo com a Europa (o que por sua vez também resulta de uma oferta de menor dimensão), o reforço das relações entre organizações políticas, organizações não governamentais, assim como juvenis, sociais e culturais em cada país pode estar na origem do aparecimento de um novo fluxo de mobilidade. E é certamente através da construção de uma rede complexa de oportunidades e da sua disseminação eficaz junto do público-alvo que se podem promover futuros ambientes de cooperação frutíferos.

 

Jovens no mercado de trabalho: escassez de oportunidades ou excesso de qualificações?

Jovens no mercado de trabalho: escassez de oportunidades ou excesso de qualificações?

Jovens no mercado de trabalho: escassez de oportunidades ou excesso de qualificações?

Fonte: AULP, 2014-02-04

É hoje um facto praticamente inegável que os jovens portugueses enfrentam um mercado de trabalho bastante severo, sobretudo para todos aqueles que procuram agora iniciar uma determinada carreira. Na generalidade dos casos, os jovens recém-formados deparam-se com a inexistência de grandes oportunidades que lhes permitam pôr em prática os conhecimentos que adquiriram durante anos. Reina a precariedade e os contratos laborais são pautados por estágios (pouco ou nada remunerados) que não permitem uma inserção plena na vida activa. As expectativas estão arrasadas e para muitos a solução passa apenas pela emigração, uma forma mais ou menos expedita para a auto-realização a nível pessoal e/ou profissional. Em traços gerais, o país investiu na formação destes jovens, os quais não conseguem devolver-lhe agora o respectivo retorno por não existirem oportunidades de demonstrarem na prática o valor acrescentado que poderão gerar.

Várias teorias são apontadas como causas para este problema e todas elas acabam por explicar uma parte da questão. Uns alegam que as empresas não vendem, dada a actual perda de robustez da economia portuguesa, pelo que as necessidades de se efectuarem novas contrações são praticamente inexistentes. Outros argumentam que a rigidez do mercado de trabalho dificulta esse processo. Por um lado, as empresas não conseguem despedir os trabalhadores mais ineficientes dos seus quadros, dado os elevados custos que isso acarreta. Por outro lado, as empresas têm medo de efectuar contratações de colaboradores mais jovens, dado que futuramente poderão ter de os dispensar e com isso defrontarem-se com custos adicionais de despedimento. Há ainda os que reiteram que os jovens têm agora demasiadas qualificações para as necessidades do país. Várias vozes ecoam de que o país precisa mais de “sapateiros” e menos de “doutores”, dada a estrutura da nossa capacidade produtiva caracterizada sobretudo por pequenas e médias empresas. Ainda temos os que apontam o dedo aos sindicatos, os quais tentam proteger os trabalhadores mais antigos do sistema e, nesse contexto, promovendo directa ou indirectamente uma menor protecção dos menos sindicalizados – os jovens. E, finalmente, existem mais uns quantos que responsabilizam o governo, dada a inexistência de políticas activas que promovam a criação de emprego de forma permanente. Para uns, o problema centra-se no lado da procura e na escassez de estímulos direccionados para todas as empresas que contratem trabalhadores jovens e qualificados de forma contínua. Para outros, o problema reside no lado da oferta e na inexistência de políticas promotoras do empreendedorismo e do auto-emprego.

Neste enquadramento, importa reflectir sobre as soluções que podem ser adoptadas para uma maior empregabilidade dos jovens portugueses. Aqui, as universidades da Comunidade de Países de Língua Portuguesa deverão continuar a ter um papel crucial. Por um lado, as universidades devem continuar a contribuir para a formação dos jovens, não só fornecendo-lhes as qualificações tradicionais, mas também competências e habilitações mais transversais e orientadas para um mercado laboral cada vez mais exigente e global. Deve continuar a dar- -se primazia ao fomento do espírito crítico, criativo e empreendedor; ao domínio das línguas e das tecnologias de informação e de comunicação; e à internacionalização, proporcionando experiências académicas em que se estabeleçam contactos com outros povos e culturas. Concorrentemente, as universidades deverão continuar a privilegiar um contacto mais eficiente com potenciais empregadores dos seus alunos, dinamizando feiras de emprego, gabinetes de estágios e inserção profissionais e/ou apoiando todos os seus alunos que queiram pôr em prática projectos empreendedores, ao nível da consultoria e, porventura, do financiamento. Além disso, as universidades devem ter um papel ainda mais proactivo com a comunidade onde estão inseridas, sobretudo com o tecido empresarial, acentuando as sinergias e parcerias na implementação de projectos de investigação e desenvolvimento. Só assim, o know how da academia poderá ser posto ao serviço da economia real e vice-versa, o que certamente reforçará a transferência de conhecimentos e, por conseguinte, os níveis de competitividade do país.

Percurso académico: Ricardo Barradas, 27 anos, é docente na Escola Superior de Comunicação Social e no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa. Formado em Economia pelo ISCTE-IUL, Ricardo Barradas conta com uma vasta experiência profissional nas áreas das Finanças e Economia.

 

Este artigo foi escrito em concordância com o antigo acordo ortográfico

“Hoje em dia convidem-me que eu vou! Perdi o medo de dar aulas em inglês”

“Hoje em dia convidem-me que eu vou! Perdi o medo de dar aulas em inglês”

“Hoje em dia convidem-me que eu vou! Perdi o medo de dar aulas em inglês”

Fonte: AULP, 2014-02-04

Foi aos 17 anos que teve a sua primeira experiência de mobilidade – fez InterRail pela Europa. Já na universidade, quando o programa Erasmus ainda era recente, esteve três meses em Itália. Se a carteira lhe permitisse, participava em mais programas de mobilidade. Deu aulas ao abrigo do Erasmus na Universidade Autónoma de Barcelona, em 2011, e na Universidade Yeditepe na Turquia, em 2013. Apesar de ter recebido convites para fazer Erasmus na Polónia e Itália, o próximo destino já está escolhido – Atenas, na Grécia.

AULP – Quais as vantagens em fazer Erasmus?

FS – São todas (risos). Fazer Erasmus é fundamental do ponto de vista académico: conhecer outro ambiente, outros colegas, outro plano de estudos, lecionar a estudantes que têm um background e uma cultura diferente da nossa, dar a conhecer o nosso país e a nossa realidade… Sim, porque ninguém nos conhece. Nós só somos notícia quando há uma grande catástrofe ou quando morre alguém conhecido internacionalmente como a Amália ou o Eusébio. Estes programas são importantes para dar a conhecer o nosso país.

AULP – Porquê Istambul e Espanha?

FS – Foram duas situações diferentes. No caso da Universidade Autónoma de Barcelona eu já tinha recebido na ESCS vários colegas ao abrigo do programa Erasmus. Um deles sugeriu-me que eu me candidatasse e foi assim que fui a 1ª vez. No caso de Istambul foi porque eu nunca tinha ido à Turquia e tinha uma grande curiosidade.

AULP – Quanto tempo foi para a Turquia e para a Espanha?

FS – As estadias podem ser mais ou menos prolongadas, mas eu fui sempre em estadias curtas. Para Barcelona fui à 4ª e vim ao domingo. Dei intensivamente um dia de aulas (7 ou 8 horas) e depois fiquei para o fim-de-semana. Na Turquia dei dois dias de aulas.

AULP – Porquê tão pouco tempo?

FS – Por duas razões. Primeiro, porque se estes intercâmbios fossem mais prolongados trariam problemas do ponto de vista da gestão das minhas aulas em Portugal. Para além disso, este intercâmbio tem custos para os docentes.

AULP – Os docentes têm direito a bolsa quando fazem Erasmus?

FS – Sim. Existe uma bolsa, mas esta não cobre os gastos todos. A viagem é paga pelo programa e depois só podemos ter ajudas de custo durante três dias, sendo os outros dias à nossa responsabilidade. Ou vamos só mesmo os três dias, mas mesmo assim esse fundo de maneio não cobre todos os gastos, ou temos de investir dinheiro nosso. Por exemplo, na Turquia os hotéis são caríssimos. Um hotel de três estrelas em Istambul são 150 euros e o meu fundo de maneio diário eram 90. Ou seja, tem de haver um investimento pessoal por parte dos docentes, o que hoje em dia é complicado. Estamos com cortes salariais de ano para ano. Em 2014 era para fazer outra vez, mas estive a fazer contas e percebi que não podia.

AULP – Mudava algo no programa?

FS – Seria positivo que fosse mais tempo, pois isso facilitaria criar redes mais sólidas com as respetivas universidades e com os respetivos docentes. Para se formarem redes de possível investigação ou colaboração futura, estes timings são muito diminutos. Para além disso, é um investimento pessoal muito grande para se ir trabalhar. Eu já pensei várias vezes em ir para Estocolmo, mas tem um custo de vida muito elevado e por isso não posso ir. Aqui na ESCS há muitos docentes que não estão a ir por essa razão, por motivos económicos. Muitos não vão também porque não dominam suficientemente o inglês. Eu, por exemplo, não tenho filhos. No entanto, tenho colegas que tem dois e três filhos que não conseguem fazer Erasmus porque têm outras despesas, acabando por não ir.

AULP – A candidatura ao programa é um processo simples ou moroso?

FS – É um processo bastante simples. Há um período de inscrição em que a pessoa se propõe e depois preenche um pequeno formulário. Depois, ou é o gabinete de relações internacionais que inicia a relação com o gabinete da universidade para a qual vamos, ou, como foi o meu caso, já trazemos um contacto obtido por nós. Não é complicado nem moroso.

AULP – Como é que é dar aulas num país culturalmente tão diferente do nosso?

FS – Em Espanha foi relativamente fácil, pois a língua é semelhante. No caso de Istambul há diferenças significativas e ia mais receosa porque nunca tinha dado aulas em inglês. A maior parte dos estudantes falavam esta língua, mas eu pensava que falavam melhor. Depois percebi que o meu nível de inglês não era inferior ao deles. Hoje em dia convidem- me que eu vou! Perdi o medo de dar aulas em inglês. Uma coisa é dar aulas em inglês em países em que essa é a língua nativa, como na Inglaterra ou nos EUA. Quando estamos em espaços culturais em que a língua mãe não é o inglês, nós acabamos por estar todos mais ou menos ao mesmo nível. Eu não fui para a universidade pública, onde provavelmente a minha experiência seria completamente diferente. É uma universidade com conexões e financiamento dos EUA, ou seja, muito anglo-saxónica. O próprio campus universitário. Quando cheguei parecia que estava na América. Todo murado, com uns edifícios lindíssimos, com uns jardins fabulosos… Aquilo no meio do caos urbanístico. Parecia uma coisa saída de outro filme.

AULP – Mas os alunos eram turcos?

FS – Sim. Foram pessoas muito recetivas e curiosas, principalmente na segunda sessão em que falei no sistema mediático português. Nós vivemos num país pequeno que é muito desconhecido fora. Então se formos para a Turquia, a maior parte das pessoas não sabe onde fica este cantinho e desconhecem a nossa história. Conhecem o Cristiano Ronaldo, mas não conhecem mais nada. Senti-me na obrigação de começar a minha apresentação com uma caracterização da sociedade portuguesa.

AULP – Quem sugere os temas a lecionar?

FS – Somos nós que propomos, mas a universidade que nos recebe pode propor alguma coisa em particular. Normalmente o tema é escolhido de acordo com os interesses do docente.

AULP – Aconselhava outros colegas a fazer Erasmus?

FS – Aconselho todas as pessoas a passar por esta experiência. Não só os professores, mas também os alunos. No caso dos estudantes acho fundamental esta mobilidade porque no sul da Europa sai-se muito tarde de casa dos pais, temos mães muito “galinhas”, e há muita liberdade, mas pouca autonomia. Por isso, acho fundamentais os estudantes saírem, conhecerem outras realidades, terem de gerir o seu dinheiro, resolver os seus problemas, estar longe de casa, conhecer outras pessoas, outras línguas.

AULP – Acha que a mobilidade de estudantes é mais divulgada do que a de professores?

FS – É muito mais. Acho que o apoio financeiro concedido aos estudantes é superior ao concedido aos docentes. Contudo, no caso dos professores existem outras possibilidades de mobilidade, há outros programas, como ao nível da investigação. O docente pode fazer mobilidade por outras vias que não esta. No caso dos estudantes penso que o programa Erasmus é a via mais conhecida e utilizada.

AULP – Acha que o programa funciona?

FS – Eu sou absolutamente favorável a este tipo de programas e acho fundamental para a Europa porque se no caso dos EUA existe uma língua que unifica todo aquele continente, na Europa nem todos os países têm a mesma língua. Desconhecemo-nos profundamente uns aos outros, há diferenças históricas e o programa Erasmus é fundamental para que os povos da Europa se conheçam melhor.

Percurso Académico: Filipa Subtil é doutorada em Ciências Sociais pela Universidade de Lisboa. É professora na Escola Superior de Comunicação Social desde 1998, onde leciona na licenciatura e no mestrado. Foi visiting scholar no Departamento de Communication Studies da Universidade do Iowa, Iowa City (2010), e no Mulhenberg Collegue, nos EUA (2008). Os seus interesses de investigação têm-se centrado na sociologia da comunicação e na teoria social da comunicação e dos media nos EUA e Canadá, áreas onde tem publicado artigos e capítulos de livros. Publicou, em 2006, o livro Compreender os Media. As Extensões de McLuhan (MinervaCoimbra).

‘’Em Macau, tirar um curso é uma coisa que é vista com uma grande seriedade. Não é uma fase da vida’’

‘’Em Macau, tirar um curso é uma coisa que é vista com uma grande seriedade. Não é uma fase da vida’’

‘’Em Macau, tirar um curso é uma coisa que é vista com uma grande seriedade. Não é uma fase da vida’’

Fonte: AULP, 2014-02-04

Rui Simões é um dos portugueses que já lecionou fora do país. Em entrevista, o professor partilhou a sua experiência em Macau, as dificuldades e as diferenças entre o povo português e macaense. Apesar do choque de culturas evidente, considerou a sua experiência gratificante e que a mesma lhe permitiu mudar alguns aspetos da sua forma de dar aulas.

AULP – Que benefícios lhe trouxe esta experiência enquanto pessoa, professor e investigador?

RS – É difícil dissociar as coisas. A primeira é relacional. Tive sorte com os meus alunos e, independentemente dessa diversidade, as pessoas foram muito simpáticas. Construí boas relações ali. Voltei a Macau 15 anos depois e vários alunos vieram ter comigo para marcar um encontro. Há uma empatia grande entre nós. A segunda é de uma dimensão didática: foi um processo lento e pontualmente mais doloroso. Alguns dos alunos tinham dúvidas e não as enunciavam. Não era raro ter alunos, principalmente chineses, que julgavam que dizer ao professor que não entendiam era uma forma de dizer que este não tinha explicado bem.

AULP – Quais as principais dificuldades em lecionar num país que não o de origem?

RS – Macau é uma situação singular. Trata-se de um contexto onde uma das línguas oficiais é a língua portuguesa. Em Macau tive alunos metropolitanos (naturais de Portugal), alunos macaenses, chineses, cantonenses, guineenses, cabo-verdianos, angolanos, australianos e americanos. A diversidade foi muito grande e isso trazia variáveis na ordem de funcionamento de uma aula. Os problemas de comunicação não eram exclusivamente do professor, mas também entre eles.

AULP – O impacto cultural foi grande quando foi para Macau?

RS – É evidente que há um choque e esse choque em parte era muito desejado. Não era a primeira vez que eu tinha saído de Portugal: já tive uma bolsa para estar na Índia. Não foi uma saída desenhada com uma estratégia económica, apesar de muitas pessoas o terem feito. Eu tinha condições para o fazer e tinha um enorme desejo de viver na Ásia, em particular na China e Macau.

AULP – Quais são as maiores diferenças culturais entre Portugal e Macau?

RS – Há diferenças que são relacionadas com os mercados muito dinâmicos, a relação com o tempo, o aforro, as noções de privacidade… As pessoas não me convidavam para as suas casas, mesmo que tivéssemos uma enorme empatia. Nesses sete anos e meio devo ter sido convidado duas ou três vezes para ir a casa de amigos chineses.

AULP – O que difere de uma aula em Macau para uma aula em Portugal?

RS – Difere, por exemplo, no domínio da participação. Em Macau havia uma maior noção de que uma aula converge para um determinado tipo de finalidade. As pessoas estavam a trabalhar para esse fim, com maior ou menor interesse. Uma vez dois alunos vieram-me perguntar o que queria dizer a palavra “keké”. Estavam intrigadíssimos. Até que percebi que eram cinco palavras que estavam em causa: “o que é que é”. A partir daí comecei a falar mais devagar. Parecia que estava o tempo todo a fazer anúncios de cola para dentaduras (risos). Foi uma preocupação que eu ganhei, em especial com alguns alunos e turmas. É uma diferença que julgo ser mais histórica do que cultural.

AULP – A forma como dava as aulas modificou-se depois de passar por essa experiência?

RS – Eu penso que sim. Modificou-se em relação a algumas práticas que mais tarde vim a refletir. Para as pessoas dominarem um determinado algoritmo, precisam de um determinado número de exemplos. Percebi ainda que o facto de uma pessoa ter experiência, por exemplo, em dar cultura portuguesa a chineses, não o torna só por isso mais apto a dar cultura portuguesa a espanhóis ou a franceses.

AULP – Acha que em Macau se valoriza mais a educação do que em Portugal?

RS – Acho que sim. Encontramos isso, mas acho que a diversidade de alunos e das suas motivações faz com que haja exceções. Digamos que o empreendimento para fazer um curso é maior. Em Macau, tirar um curso é uma coisa que é vista com uma grande seriedade. Não é uma fase da vida. Não se é estudante, tem-se um curso para fazer. Estudar em Macau era caro e por isso a ideia de perder um ano era um drama. O esforço era marcado e as famílias tendiam a valorizar muito a escolarização. Ter uma nota baixa, para muitos daqueles alunos, era humilhante. Os alunos que estudavam em Pequim eram os melhores, dos melhores, dos melhores. Quando chegavam eram autênticas máquinas de trabalho. O português era-lhes uma língua estrangeira. Recordo, que uma vez recomendei um livro português a alunos que frequentavam um curso de verão. Dois dias depois tinham lido tudo, apesar de ser numa língua que lhes era difícil. Era necessário ter respeito por quem trabalhava assim.

AULP – Recorda Macau com nostalgia…

RS – Sim. Foram sete anos gratificantes, sobretudo a nível relacional. Estive há dois anos atrás em Macau e está completamente diferente. As diferenças não são só no património edificado. Há diferenças de população, novas gerações, novos interesses, novas preocupações. E esse dinamismo requere a humildade de aprender um contexto que não se recapitula obrigatoriamente na memória.

Percurso Profissional: Rui Simões é Professor Adjunto da Escola Superior de Comunicação Social, onde tem vindo a lecionar as disciplinas de Sociologia, Antropologia, Metodologias de Investigação e a opção de Comunicação Intercultural. Foi professor da Escola Superior de Educação de Setúbal (1986-1992), da Universidade de Macau e do Instituto Politécnico de Macau (1992-1999). Os principais temas de pesquisa são a Comunicação, a Educação, o Lúdico e os Processos de Construção da Memória, nomeadamente associados à presença portuguesa na Ásia. Foi investigador na Índia e é Mestre em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

Problemática do choque cultural: Para lidar com o choque cultural, é necessário, através da observação que se decida a forma como abordar pessoas e situações. Depois há que tornar as coisas claras com o método de tentativa e erro. Por fim tem de se ser imparcial, paciente, esperar o inesperado e ter capacidade de adaptação. O choque cultural pode ser visualizado como uma curva em forma de U que exibe um otimismo inicial sobre a cultura de acolhimento, um mergulho subsequente de sentimentos sobre a cultura de acolhimento e uma recuperação gradual a um ponto de se ser capaz de funcionar eficazmente na nova cultura.

Fonte: Samovar, Larry A. & Porter, Richard E. (2010). Communication between cultures. Belmont: Wadsworth, pp. 398-399.

Vox Pop – Estudar para trabalhar ou trabalhar para estudar?

Vox Pop – Estudar para trabalhar ou trabalhar para estudar?

Vox Pop – Estudar para trabalhar ou trabalhar para estudar?

Fonte: AULP, 2014-02-04

Uma realidade em Portugal que abrange cada vez mais estudantes do ensino superior. Uns precisam de dinheiro para pagar os estudos, outros querem pagar as suas despesas pessoais e ganhar independência financeira. A lei prevê esta situação, mas apesar da existência de um regulamento colocam-se algumas questões. O estatuto funciona? As empresas preferem contratar estudantes sem o estatuto? O que é preciso mudar?

Em Portugal, o trabalhador estudante tem direito a pedir à empresa o dia do exame e o dia anterior ao mesmo. No entanto, alguns alunos decidem não solicitar o estatuto na empresa com receio de que o contrato não seja renovado, como é o caso de João Domingues, estudante de Farmácia. Patrícia Lopes, estudante de Relações Públicas e Comunicação Empresarial acredita no oposto – que as empresas valorizam quem estuda e trabalha, pois à partida são pessoas que fazern uma gestão eficaz do tempo.

Mas esta não é a única regalia. Na faculdade, os alunos têm direito a uma época especial de exames em todas as disciplinas. No entanto, alguns alunos apontam para o elevado valor desse exame. Patrícia Lopes, aluna da Escola Superior de Comunicação Social diz que paga 10,25 euros por cada exame feito nessa época.

Embora a maioria dos estudantes entrevistados acreditem que vale a pena requerer o estatuto, estes referem que há aspetos a melhorar. Sofia Silva defende que devia existir uma melhor comunicação interna, pois muitos professores desconhecem quais os alunos que têm o estatuto do trabalhador estudante: “A professora deu-me zero na participação desconhecendo que eu trabalhava. Eu informei-a e ela deu-me quinze valores.”

Ainda que exista um regulamento para o estatuto, este é aplicado consoante o professor que leciona a cadeira – o modo de avaliação do aluno é decidido pelo docente. Além disso, o estatuto do trabalhador estudante só pode ser pedido caso o aluno tenha apresentado aproveitamento escolar no ano anterior.

O estudante de Farmácia, João Domingues, defende que devia existir uma fiscalização que certifique o cumprimento do estatuto. Na sua opinião, faz falta a existência de um incentivo às empresas para que estas não rejeitem estudantes.

Apesar de todos os prós e contras, os entrevistados acham que vale a pena requerer o estatuto mesmo que existam aspetos a melhorar.

O estatuto de Trabalhador-Estudante actualmente em vigor foi aprovado pela Lei 23/2012, de 23 de junho, que altera o Código do Trabalho actualmente em vigor, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro.

Veja as opiniões dos estudantes na VOX POP.