Língua Portuguesa: a herança e a realidade cultural de muitos autores

Fonte: AULP, 2014-02-04

Para o colóquio “Criar em Português – O que pode uma língua?”, a Gulbenkian recebeu diversas personalidades de várias áreas artísticas. Desde a música ao cinema, passando pela literatura, a dança e o teatro para debater as potencialidades do português como língua de criação artística.

No painel dedicado à realidade musical discutiu-se a importância que a palavra tem no processo criativo de uma melodia, chamando-se à atenção de que existem línguas mais estimulantes para cada tipo de música. Luís Tinoco, compositor português, explicou que não é por acaso que o jazz não é cantado em chinês ou que a música marcial case tão bem com a música alemã.

O compositor acrescentou ainda que um músico não se deve preocupar com o som das palavras, mas com a forma como o texto estimula as pessoas que o vão ouvir. É por isso que defende que, por vezes, para trabalhar há que abdicar de aspetos estritos da cultura portuguesa: “A minha pátria língua está seguramente naquilo que é a herança que nos deixam os nossos escritores – a relação afetiva que consigo estabelecer com eles é irrepetível com autores estrangeiros.”

Ângelo Correia, mais conhecido por Boss AC, defendeu que só faz sentido cantar na língua materna se percebermos tudo o que está a ser dito: “É um desafio escrever em português porque é uma língua muito fechada”.

José Miguel Wisnik, autor, compositor e professor de Literatura da Universidade de São Paulo, acrescentou que o português é uma língua difícil para quem escreve músicas. “O português que se fala aqui é mais gutural, cria uma série de percussões surdas. O do Brasil estabiliza as vogais, o que deixa que as sílabas durem – é como uma orquestra em que se ouvem as cordas e os sopros”, explicou o convidado do painel moderado pelo musicólogo Rui Vieira Nery.

Já na sessão sobre a criação literária falou-se sobretudo sobre a forma como a língua portuguesa é um referente cultural para quem a trabalha. Mário de Carvalho, conhecido escritor luso, foi mais além e afirmou que o português é um reservatório de memória e tradição como a própria literatura. “A memória também está nas palavras porque elas transportam uma história, carregam o grego e o árabe”, explicou o autor no painel em que estiveram também o tradutor americano Richard Zenith, Nuno Artur Silva e o cabo-verdiano Germano de Almeida.

Mário de Carvalho partilhou com a audiência que já ganhou o Prémio Pégaso, atribuído a línguas com pouca projeção – apesar de a portuguesa ser uma das mais faladas no mundo. O escritor ironizou ainda que a língua portuguesa foi comparada com a kiwi, um dialeto falado na Nova Zelândia que ganhou o prémio anteriormente.

O acordo ortográfico não passou despercebido durante este encontro. Nuno Artur Silva, o apresentador do Eixo do Mal, defende que discutir o acordo ortográfico é irrelevante: «Eu acho que o erro ortográfico é uma coisa menor. A ortografia é uma questão estética, uma convenção». Apesar de a língua brasileira ser uma variante do português, Nuno Artur Silva acredita que no futuro todos vamos escrever em brasileiro e que o português vai ser uma variante regional da língua brasileira

Certo é que a língua portuguesa esteve em debate nestes dois dias. Muito se discutiu sobre as potencialidades da língua de camões e sobre o seu futuro. Descobriram-se experiências, dificuldades e expectativas de quem usa e estuda a língua portuguesa e sabe o que ela tem de único e de virtuoso para o mundo.