“O país tem de iniciar a execução de investigação fundamental nos sectores de ponta e prioritários”

Fonte: Gabinete de Comunicação, 2014-05-16

Numa região em desenvolvimento como a África é importante perceber qual o papel das instituições de Ensino Superior em prol da investigação. De que forma é que as instituições contribuem para o desenvolvimento do país? Quais as parcerias estratégicas? Há recursos financeiros para apostar na investigação? O que reserva o futuro? Quatro questões ganharam resposta graças ao contributo do catedrático e director científico da Universidade Lúrio, de Nampula (Moçambique), Tito Fernandes.

De que forma os projetos de investigação na UniLúrio contribuem para o desenvolvimento de África?

Em Moçambique, e na UniLúrio, as atividades de Investigação são reduzidas por diversos motivos. Não existe pessoal com pós-graduação em número suficiente para supervisão da investigação e os apoios financeiros são limitados, embora estes não sejam o factor limitativo, pois ONGs e empresas têm proposto e até financiado alguma pesquisa. Dizemos pesquisa pois envolvem mais “surveys” que investigação original (“research”), replicando delineamentos experimentais elaborados noutras partes do mundo, procurando respostas para as realidades locais, o que também tem o seu valor de ciência aplicada. Só
consideramos verdadeira Investigação quando há publicação dos resultados em revista com “referee”.

Ciência está de facto ligada ao desenvolvimento, porém, apesar do elevado crescimento económico em Moçambique, o desenvolvimento, determinado por parâmetros universais e não pelo rendimento per capita em US$, demonstra que a velocidade de crescimento económico não é acompanhado por índices aceitáveis de melhoria na qualidade de vida da maioria da população. Na verdade, os problemas básicos de habitação, de acesso a água potável, de energia elétrica continuam e com impacto negativo no uso desregrado de fontes de energia baseados nos recursos agrários (lenha e carvão vegetal), com repercussão no estado sanitário das populações que continuam sem os mínimos razoáveis de cuidados de saneamento e de saúde.

Não se dinamizam aspetos simples como tecnologias de aproveitamento da energia solar, das águas resultantes da pluviosidade regular, e em excesso em certas épocas, bem como do estudo de medicamentos tradicionais. Neste último aspeto, a UniLúrio tem iniciado alguns pequenos projectos que poderão dinamizar a utilização de plantas tradicionais como a moringa.

Investimentos feitos por ONGs não aceitam o financiamento de aquisição de equipamentos laboratoriais de forma significativa, nem o pagamento aos recursos humanos nacionais, o que ocasiona desequilíbrios e injustiças internas, privilegiando a mão de obra estrangeira.

Para o sucesso desses projectos, que tipo de parcerias estabeleceu com instituições de Ensino Superior de outros países?

A UniLúrio tem sabido suprir as carências acima descritas através de uma forte internacionalização das suas ações e objetivos, em todas as áreas do saber desenvolvidas nos diversos cursos, isto é, saúde, engenharias agrárias, arquitetura.

Inúmeros protocolos, não só escritos, mas com direto impacto na vida da UniLúrio têm sido elaborados e desenvolvidos com relativo sucesso, sobretudo com o Brasil, Estados Unidos da América, Irlanda e Portugal. Infelizmente, as parcerias nacionais não são tão evidentes, embora existentes sobretudo na
realização de Mestrados.

Os enormes custos de deslocação relacionados com a interioridade da UniLúrio nas 3 Províncias do norte de Moçambique, com companhia aérea de bandeira nacional com monopólio, dificultam imenso o processo de parcerias pois as despesas acrescidas, comparando com as deslocações internacionais, enfraquecem e reduzem a mobilidade académica.

Existem recursos financeiros disponíveis para apostar em projetos de investigação?

Existem recursos disponíveis, porém devem obedecer às prioridades nacionais definidas pelo Ministério da C&T e Ministérios sectoriais (e.g. Agricultura, Recursos Minerais, Pescas). Investigação fundamental não existe e consideramos, nesta fase, mais fácil, viável e económico a transferência de conhecimento e tecnologias dos países desenvolvidos. Os financiamentos por agências de cooperação dos países mais desenvolvidos é realizada com interesses mais dos países de origem que dos interesses locais nacionais.

Os recursos do Banco Mundial, supostamente a entidade que lidera a luta contra a pobreza mundial, não estão acessíveis às academias e concentram-se nos ministérios centrais na capital. Conhecem-se muitos milhões de US$ que entram no país, mas a universidade tem hipóteses muito reduzidas de ter acesso a esses incentivos financeiros. Em nosso entender, equipar laboratórios com ajudas dessa natureza, seria fundamental para que o ensino não seja simplesmente o debitar matéria teórica, que na sua maioria exige a memorização de conteúdos, o que origina frequentemente a formação de graduados pouco competentes.

Na sua opinião, qual o futuro da investigação em África? O que precisa de ser feito para aumentar a investigação nas instituições de Ensino Superior?

Em nossa opinião, os ministérios da C&T deveriam funcionar com modalidades que pudessem incorporar os imensos apoios financeiros que entram nos
ministérios sectoriais, executando uma cadeia de comandos baseada em prioridades nacionais e não por interesses internacionais. Para tal, seria necessário no MCT haver Comissões Científicas independentes, com a participação de investigadores e fazedores de decisão, nas diversas áreas do saber. Saber realizar a distribuição dos financiamentos pelos Centros de I&D e chamar a responsabilidade os investigadores principais. Incentivar a incorporação de equipas nacionais nas candidaturas de megaprojectos europeus e outros, onde a componente nacional será formar quadros e equipar minimamente as  universidades e seus laboratórios. Saber esclarecer aos governantes de que gradualmente o país tem de iniciar a execução de investigação fundamental nos sectores de ponta e prioritários.

Alguns temas de I&D que estão a ser desenvolvidos na UniLúrio:

– Estudo de avaliação da desnutrição crónica infantil.
– Pesquisas nos domínios de diversos distúrbios oculares.
– Pesquisas em Conservação da natureza e estudos
de biodiversidade marinha e terrestre.
– Pesquisas na área de Saúde: Epidemiologia, Optometria,
Otorrinolaringologia, Pediatria, Nutrição,
Saúde da Família e Comunidade.
– Estudo de micotoxinas em diversos produtos agrários.
– Pesquisa agrária no domínio de novas culturas
agrícolas (soja) e florestas no Niassa.

Artigo de Pandora Guimarães

Gabinete de Comunicação da AULP